quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Oaristo



    O cinema é uma mulher ingrata. E lhe adoro, e lhe amo, e lhe quero, e faço de tudo, e dela, nada. Repousa-lhe nos braços os mais amantes, de Ozu a Felini, de Kubrick a Coppola. Bobo sou eu de me achar digno de um mero olhar de paixão. Ela é, e sempre forá, a mais democrática das almas. Teus olhos, mais livres que Marieanne, iluminam a todos que lhe querem pela noite. Passa por mãos brutas, delicadas, poéticas e ás vezes, se com sorte, refinadas. Neste bacanal noturno é que repousa minha dor. O amor dela, minha dor. Sua promiscuidade parteira filhos obcenos, filhos mal amados, filhos retrógrados, filhos utilitários, filhos rebeldes por serem comportados. Filhos do horror. 

      Ao segurar no colo um filho tão feio, não há coração resistente a dúvida: valhe a pena?

Valhe a pena ve-la todas as noites andar por bairros claro-escuros, fétidos como buques de plástico?
   Por mais que relute em visita-la quando se encontra nos braços de seu mais rico amante, temo... busco suas luzes.
       Sou fraco, sempre fui. A dor de a ver injustiçada sobre o olhar megalomaníaco do norte, pouco se compara com a dor de perde-la.
        E por que será justamente o amante americano que mais me angústia? Será por ser ele quem nós apresentou? ou será por uma simples richa histórica?
             Enoja-me ver como a trata. Usa seu velho plano americano para mutilar sua mente, corta sua história de forma bruta, censura tudo aquilo de que desgosta, mente, grita o produtor insano: 'como ousa me acusar de machuca-la? Logo eu, o mais naturalista dos homens, a corto por mero gozo estético, nunca permitirei usarem-na pro lucro próprio! Dos 8 aos 80 serão os meus filhos!'
                 Eu, covarde, tampo os ouvidos para não ouvir a orgia do quarto ao lado. Mas pouco importa meu luto, destinado sou em abrir a porta e ver obra de tão pouco esmelo.
                    Toda singela vez que o casal tenta realizar uma proeza revolucinária, ele implica e impõe piadas enfadonhas, explicações em excesso, mensagens positivas. Planeta dos Macacco: Guerra, foi ali que perdi a esperança. Via claramente a luta dela pela beleza, planos sequência, dor da perda, palavras não ditas, olhares ouvidos, mas ele tinha que intervir, tinha que por a peregrinação judaíca, tinha que por a morte cristã.
             Ouroboros é como se chama, e tudo que peço é que pare de atomentar minha amada.
...

        Saio em silêncio da sala escuro, havia a visto ontem, mas minha memória estava ofuscada pelo fala de minha outra amante, a poesia. Não me decepciono com o que vi, "Atômica" sempre me forá um parto estranho de meus dois maiores amores, o cinema, claro, e o quadrinhos, pintado de verde e amarelo dessa vez. Se o excesso de música,  a liquidez colorida das cenas, e o apelo aos fetisches animalescos, me atrapalharam, repondo com apenas uma tragada: A única cena de qual me recordo é filmada em plano sequência, sem neon, sem música, sem sexo, sem nada além a boa coreografia. Mesmo assim, iluminado pelo luar, minha última amante, encaro meu cigarro imaginário e reflito: Será isso amar?

   Será isto tudo o que o amor é? Um eterno conglomerado de dor e angustia. Uma paixão avassaladora, que pode apenas ser compartilhada com a solidão. Será amar o ato de render meus pensamentos a corrente do zelar? Almejar a mais bela vida para aquela que tende apenas a destruir a minha? Ou será o amor um ato ingrato, extremamente utilitarista, no qual uma parte usa a outra para aliviar o eterno desgosto de viver, prendendo-se um ao sonho do outro, concretando assim seus próprios pés, impedindo que voe atrás do sonho próprio e relembre o gosto da decepção?

    Sou jovem, querendo ou não, convivo com jovens. Ouço a palavra de fidelidade dos mais velhos, dez anos mais velhos, a voz deles ecoa enredos de fidelidade, ás vezes de tentação, mas em geral, fidelidade. Mas o som ao redor propaga outras ondas, ondas de um mar sem bases, um dia você ama, no outro você odeia, ou será que sempre odiou enquanto amou, disfarçou tudo como se fosse mais uma dessas mentiras que contamos para não suicidarmo-nos. 'Seja meu Pedro, que permitirei a construção de teu santuário sobre mim enquanto ergo o meu em suas costas. Uma relação de troca e ganho, caso de errado é só achar outra, mas não vai dar, não pode ar, serei motivo de piada se der'.

   Um amante de minha amada uma vez disse: O amor é como os ovos. Ilusões e ilusões. Mas nós precisamos deles para poder seguirmos.


                  Ouvia a tempos um trovador, D.Diniz que já sem dor não há amor. Mas o tempo passou. Já não é mais era de se andonirar pela rua com um violão. Não. Odor tão imprevisível quanto o frescor a paixão não mais nos contenta. Talvez tenhamos desistido de buscar o impossível, o muro caiu, não haverá utopia. Talvez vivemos hoje na era da 'liberdade', na qual o mal estar da civilização pode ser posto em prática onde e quando quiser, de volta a suruba medieval. Depois de tanas decepções amorosas, cansa-se o ser, que retorna a cama em busca de prazeres carnais. Era dos prazeres. 'Ser feliz é possível? O muro caiu. Acharei glória na vida?  O muro caiu. Terei fama e fortuna. Terei terras no céu. Terei donzelas na cama. Terei orazeres translúcidos. Terei tudo que o suor do rosto pode comprar '. A TV me vende prazer, o cinema entrega mensagens estranhas e confusas, que pode ela contra  o grão poder do lazer.

'Ame-me, mas seja rápido! Tenho compromisso ás 6'
   Indago se algum dia poderei algo dar a meu amor. Algo lindo, algo nosso. Nossa relação é conturbada. Vivi tanto por ela que me tornei só e amargurado. O pior é que ela me prometeu me ensinar a como falar com pessoas, mas até agora nada culmina no ponto filosófico que tanto praticamos, nem ao menos sei se o sustentaria, talvez me cansasse. Infestou tanto minha mente com montagens de conversas poéticas, que nada posso fazer com a crua futilidade da realidade. Nada além de me isolar e amar ainda mais.


   Dizem que somos aquilo que amamos, ou ao menos tentamos ser. Será meu fatalismo apenas um beijo dado por ti? Você me recitara as mais lindas imagens, as mais lindas montagens, mas se esquecera de ensinar-me a viver fora desse nosso oaristo.

...

    Amar é uma atitude ingrata. Em nossa primeira decepção já nos afundamos na desesperança. Culpamo-nos um ao outro pela bobagem da realidade, até sentimos inveja da felicidade desperta no sorisso dela ao ver tão velhas paixões, como se nós fossemos novidades, àqueles feixes de luz sólidos como a alma.
    Valhe a pena tanta dor? Tanta luta? 'Tudo vale a pena se a alma não é pequena' diria o poeta
    Para toda 'Atómica' existe seu 'A vida após a vida', quem se prende a dor ou é louco, ou é sadomasoquista
     Realmente acredito nisto? Ou apenas tenho que acreditar?

    Talvez desconheça o amor, mas sei muito bem amar.