domingo, 14 de outubro de 2018

o um sem inho

#feito em homenagem a bela série postal

Um quadro na parede resplandece
Num berço esplêndido de louvor e orgulho
E todos os que o quiserem ler
terão que olhar para cima,
subalternos

Um quadro que já foi quadrinho
um quadrinho que já foi cartão
um cartão que já foi papel
e um papel...
que já foi árvore
a sombrear um casal de namorados
bobos mas tão amados

Hoje aí estão
tanta luta, tanto amor,
hoje aí estão
Aqueles cartões,
aqueles quadrinhos,
viraram quadro.
Se elevaram a quadro
Então por que me faz tanta falta aquele inho?


São como Drummond esses quadrinhos?
Caminhando de mãos abertas, 
devoradas por todo sentimento do mundo,
mas mesmo assim fechadas
para a Máquina Mundo.

Serão assim,
esternamente assim,
mãos...

Corroídas mãos, doces mãos,
minhas mãos!
Minhas mãos andam tão vazias,
tão sem nexo,
tão sem dias.
O que houve minhas mãos?
Roubaram-lhe as luvas?
Estriparam-lhe os dedos e os tornaram quadro?!

Sim!
Roubaram os dedos desses quadrinhos!
Tão quentes e vivos inhos!

Quem quer ser um quadro?!
Frio, preso, estático!
Eternamente fissurado em ser homenageado!
Gozando toda a glória de uma parede morta
em um museu de coisas mortas
em uma cidade de gente morta
uma gente odiosoa e morta!

Não!
Não mais!
Arranco-te quadro vil e imundo!
De cada haste quebrada me devolverá a vida!
Pois é isto um quadrinho,
vida!

Quadrinhos são quentes,
quadrinhos são móveis, dobradiços,
quadrinhos são frágeis, podem rasgar
quadrinhos são lidos nos quartos, nos moteis, nas praças, nas esquinas, nas escolas, no mundo
quadrinhos são lidos comigo
quadrinhos são segurados nas noites, de forma solitária, leitura solitária
quadrinhos são fontes do mais puro amor,
fazem sentir dor e calor,
fazem chorar e ao mesmo tempo sonhar
quadrinhos são toda a poesia que nínguem nunca terá
quadrinhos são gente!



...
 não
quadrinhos são quadrinhos
e só
...


Aquele quadro na parede já se foi,
agora é outra coisa,
doze coisas

É um quadrinho,
é um quadrinho!
Que veio do postal,
que veio do papel,
que veio da árvore,
que também era quadrinho!
Seu tronco eram as páginas,
suas folhas as cores,
e o coração riscado a faca,
pelo casal enamorado,
a fez um quadrinho.



Puramente um quadrinho

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