O esmalte indiferente da lua apenas serve para aquecer meu sangue. Não mais me deixarei ser tomado pelas frentes frias da noite, não mais abanarei o rabo a meus superiores, não mais cairei ante o peso da existência. Não.... Hoje São Paulo ouvirá muito mais do que o simples badalar do ápice noturno, hoje ela espantar-se-á com o reluzir da pólvora.
Prostitutas, mendigos, corruptos, pedófilos, assasinos, covardes, somente o banho de sangue limpará a imundice dessa cidade. Facínoras, todos!
O tremer de minhas mãos não pare do medo, mas sim da glória. Em poucos segundos hei de adentrar nesse velho alçapão, aqui jaz os mais decrépitos homens, mafiosos. Porcos vestidos de homens que abusaram da lei seca nova yorquina para expandir seu negócio. E este povo imundo! Mal consegue segurar seus próprios prazeres, onde já se viu o próprio homem por trás da lei manter reservas de Whiskey no quintal! Sujos, esse mundo está sujo.
Ouço vozes no interior da sala, debatem sobre a nova remessa de bebidas. Uma delas se sobressai. Uma voz doce, embora fria e muito machucada pela vida. Helena, meu grande amor. Como evitar cair em tentação por um corpo tão invejado. Seus lábios eram o desejo de propagandistas de maquiagem, suas pernas o sonho de maratonistas, seus seios milagres da ciência, e seus olhos, seus olhos, retratos vivos da união lilás de duas grandes galáxias, euforia de gritos e beleza. "De olhar suas vergonhas, não tinha vergonha alguma". Mas entre noites de amores, ela teve que cometer o pecado de Caim. Meus olhos são a prova pura que mãos tão delicadas podem martelar duros crânios até o pó. De todos, será ela a única que sentirei saudade.
Não! Não cairei nessas intrigas mundanas! Não honrarei meus criadores! Sou feito do carbono de lápis, mas não das mesmas mentes que criaram meu gênero! Artistas que viram homens voarem com a grande depressão, fugitivos dos regimes nazistas e facistas. Imigrantes alemães e italianos que encontraram na produção cinematográfica americana o ventre livre da expressão. Escritos em livros e quadrinhos pulps, e depois transcritos ao cinema, o gênero noir ganhava forma. Filho de multos pais, os quais se destacam: A literatura pulp, nomeada pela polpa barata de papel reciclável que consistia sua páginas. Seu baixo custo reverberou em enredos mais simples, recheados de sensacionalismos animalescos, como a violência gratuita e o apelo sexual, baseando sua trama pincipalmente em plots de mistério.
O Expressionismo Alemão, trazido por Fritz Lang e seus companheiros. O contraste de luz, o exuberantes cenários e a criação de atmosferas soturnas foram seus maiores trunfos ao Noir. Impossível falar do gênero sem citar personagens de rosto cortado pela luz, ou de silhuetas em venezianas alá barroco.
O Neorealismo Italiano, consagrado pela necessidade de se filmar nas ruas devido o fechamento de estúdios por Mussolini. Toda a sujeira das ruas e a locação "realistica", embora exagerada, advém desse movimento.
Claro que não se pode desconsiderar o contexto hitórico de crise econômica, social, política, humana, artística, canina, herbívora, ostepaticídora, nanívora e facínora da época
Novos nomes entraram no esquema, ideias novas e frescas trouxeram mais luz (?) aquele mundo. O Niilismo frente à sociedade passou a marcar os detetives. Os personagens não mais eram simples justiceiros, mas sim homens cercados de um mundo podre. A corrupção da alma e a descrença no futuro permeavam Nova York. Ganham força finais abertos, intrigantes e com a velha mensagem de que nada importa, somos todos peões desse maquinário cruel chamado destino. A melancólia toma conta.
Os anos passaram e o estilo começou a definhar, como tudo na vida. Críticos consideravam idiota chamar produções modernas de neo-noir, já que tudo não passa de leves inspirações. Continuaram a se filmar contos de detetives, mas houeram mudanças, não há mais o clássico modelo do passado. O fatalismo deslizou para a ficção científica, questionando o progresso humanano e como ele nos custou apenaz tudo. Ghost in the Shell e Blade Runner são, bruralmente falando, noirs com neon.
Chega! Chega de divagações! O vermelho vivo do cigarro já traga sua última fagulha, ele está velho, mas eu vivo! Não sou subordinado a nínguem! Para chegar aqui matei irmãos, traí parentes, perdi órgãos, queimei orfanatos, estrupei ovelhas, torturei freiras, comi o pão que o diabo amassou! Minhas memórias todas foram construídas na base do medo, mas hoje abro a ponte pro futuro!
Separo duas pistolas .25 e me preparo para matar facínoras, o mundo estará bem melhor sem esses vendedores de bebidas! Retruco um sorriso ao luar e respiro preste a adentrar o alçapão. 1, 2, 3 e-
BAM!
O ar foge de meus pulmões, não pela boca, mas sim por um gruta em meu peito. Vejo meu sangue pingar no chão, pintando o chão e a porta do vermelho fracasso. Já caído no chão vejo um vulto fino sobre mim. Impossível! Fora a própria Helena minha carrasca! Em suas mãos uma shotgun, em seus olhos frieza. Como não percebi antes! Vil traição! "Hoje o sangue imundo banhou a terra" ela diz. Meu último engasgo de sangue é amargo, gosto de fel como toda concretização de um sonho.
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