domingo, 14 de outubro de 2018

o um sem inho

#feito em homenagem a bela série postal

Um quadro na parede resplandece
Num berço esplêndido de louvor e orgulho
E todos os que o quiserem ler
terão que olhar para cima,
subalternos

Um quadro que já foi quadrinho
um quadrinho que já foi cartão
um cartão que já foi papel
e um papel...
que já foi árvore
a sombrear um casal de namorados
bobos mas tão amados

Hoje aí estão
tanta luta, tanto amor,
hoje aí estão
Aqueles cartões,
aqueles quadrinhos,
viraram quadro.
Se elevaram a quadro
Então por que me faz tanta falta aquele inho?


São como Drummond esses quadrinhos?
Caminhando de mãos abertas, 
devoradas por todo sentimento do mundo,
mas mesmo assim fechadas
para a Máquina Mundo.

Serão assim,
esternamente assim,
mãos...

Corroídas mãos, doces mãos,
minhas mãos!
Minhas mãos andam tão vazias,
tão sem nexo,
tão sem dias.
O que houve minhas mãos?
Roubaram-lhe as luvas?
Estriparam-lhe os dedos e os tornaram quadro?!

Sim!
Roubaram os dedos desses quadrinhos!
Tão quentes e vivos inhos!

Quem quer ser um quadro?!
Frio, preso, estático!
Eternamente fissurado em ser homenageado!
Gozando toda a glória de uma parede morta
em um museu de coisas mortas
em uma cidade de gente morta
uma gente odiosoa e morta!

Não!
Não mais!
Arranco-te quadro vil e imundo!
De cada haste quebrada me devolverá a vida!
Pois é isto um quadrinho,
vida!

Quadrinhos são quentes,
quadrinhos são móveis, dobradiços,
quadrinhos são frágeis, podem rasgar
quadrinhos são lidos nos quartos, nos moteis, nas praças, nas esquinas, nas escolas, no mundo
quadrinhos são lidos comigo
quadrinhos são segurados nas noites, de forma solitária, leitura solitária
quadrinhos são fontes do mais puro amor,
fazem sentir dor e calor,
fazem chorar e ao mesmo tempo sonhar
quadrinhos são toda a poesia que nínguem nunca terá
quadrinhos são gente!



...
 não
quadrinhos são quadrinhos
e só
...


Aquele quadro na parede já se foi,
agora é outra coisa,
doze coisas

É um quadrinho,
é um quadrinho!
Que veio do postal,
que veio do papel,
que veio da árvore,
que também era quadrinho!
Seu tronco eram as páginas,
suas folhas as cores,
e o coração riscado a faca,
pelo casal enamorado,
a fez um quadrinho.



Puramente um quadrinho

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018


    Criei foguetes
     Soube ler mentes
     Talhei no peito versos futuros
     Legei ao filho próspero o livro da vida

     tantas fórmulas,
     tanta alquimia,
     tanto tudo,
     tanta certeza tive eu
                                                                                                                                                mas no meio da festa, fujo
                                                                                                                                                largo o corpo         
                                                                                                                                                largo o eu
                                                                                                                                                conto a lua
                                                                                                                                                medos
                                                                                                                                                por quês

E ela sempre tão longe,
tão linda,
tão fria
Suas filhas, 
não são filhas,
são astros autônomos,
pregam os livros,
(Que sabem os livros?)
(Que sabem os homens?)

Não.... Recuso, reluto, refuto, regugito poemas suicidas
reconforto-me com a criminosa tristeza,
mas que posso fazer?


  As estrelas riem
  seus brilhos
  pouco iluminam
  pouco esclarecem,
  e a Lua?
  como saber,
  de medo tendo a esquecer

Cheiro de Grama


"The Grass so little has to do
 I wish I were a Hay- "
                                 -Dickson, Emily



   Me disseram uma vez que tudo no Sul  tem cheiro de grama
    Que as vaquinhas tem cheiro de grama
    Que o cocô das vaquinhas tem cheiro de grama
    Que o fazendeiro que cuida do cocô das vaquinhas tem cheiro de grama
    Que o dono da fazenda do fazendeiro que cuida do cocô das vaquinhas tem cheiro de grama
    Que o financiador das mil e duas fazendas do dono da fazenda do fazendeiro que cuida do cocô das vaquinhas não tem cheiro de grana porque ele mora em Brasília

    Indago o que mais lá tem cheiro de grama
    As palavras também o tem?
    Acho que sim,
    afinal de contas falou-se de tudo
    não apenas dos planetas da orbita lexical das vaquinhas

    Será que as palavras nascem mortas por lá?
    Porque se nascem de cheiro certo, não tem mais muito para criar

    Então os poetas de lá tem problemas olfativos?
    Só assim podem cheirar as rosas e chorar

    Pensando bem -todos lá devem ter problemas olfativos!
    Senão é impossível!!
    Nada contra o cheiro da grama
    até que é gostosinho... num parque...  seco, grama molhada tenha dó!

     Imagine só viver com apenas um cheiro sua vida toda!

                                        Acordar, grama,
                                           Leite,  grama,
                                       Trânsito, grama,
                                     Escritório, grama,
                                       Almoço,  salada,
                               Escritório, agronegócio
                Happy hour, lenha no chefe latifundiário
                 Esposa liga, brigua doce como esterco
    Resmungos no trânsito, árvore no espelinho solta cheiro de campo
                        Garagem, coragem para entrar
            Briga com a esposa, como é que já pude amar?
          Choro de criança, quanto mais posso aguentar?
        Cigarro do lado de fora, por que mais devo viver?
  Relógio, bolsa, carteira, carro, casa, esposa, piscina, filha, amigos, ditos amigos, dinheiro, paz, felicidade, tranquilidade, zen, budismo, suicídio, desejo, para, para, impossível, para, medo, para, grama, para,
                                              grama, gramagramagramagramagramagramagramagramagramagrama
                                             PARA!



                                                     ---
   Provavelmente deve ser mentira essa história da grama
   Já vi fotos de lá, nínguem usava prendedor no nariz
   Nínguem tiraria eles pra foto
  E nínguem pode viver com um cheiro só em mente
  Seria burrice
   

sábado, 28 de outubro de 2017

UAA-UAG-UGA

Pele.
  Minha pele. Minha pele queima no Sol. Sol. ol Ol O O Oooooooo Só
    Teclar. O teclar, simples. O simples teclar pressiona minha carne.
     E as palavras saem de meu corpo
       A E I O U. Testo cada dom dado a mim.
        Dado. Dado por quem?
          Desconheço o segredo do universo. Nem um simples báskara sei fazer, quão mais ler estrelas.
            Essas entranhas me foram escolhidas por alguém, por quem? Por quê?
 O quanto realmente importa saber a força que aplico para montar um ângulo reto com meu braço?
        Nem ao menos conhecemos a infinita rede de neurônios que nos movem.
          Muito além de sódio e potássio, o que nos faz viver?
                Palavras sangram por meus dedos, por quê?


Perdida entre páginas duma revista falsa uma jovem dorme coberta de sua vermelha cor da vida.
Momentos insanos de alguns, eterno dormir para ela
Uma estranha sensação apossa-se de meu corpo, muito além da velha melancólia, pesado pesar


Arrogante, o professor narra sobre a guerra
(Qual delas?)
Bombas, morteiros, lapiseiras, cianeto, apontadores, trincheiras, preguiça, explosões aqui, cochichos quebrados pelo diretor, explosões ali, o sangue deles reverbera apenas no escorrer da tinta de canetas. A simples quetão se caí ou não é o suficienta para borrachas apagarem da história o esforços de soldados, não por bandeiras, mas pela vida, ou pela sobrevivência.


         Entre o badalar do almoço e o jantar, o que nós separa de máquinas?
         Meus dedos, agora escrevem esta triste marchinha
        Meus dedos, agora escrevem questões de álgebra
         Meus dedos se quer se importam, são apenas dedos, cale a boca e copie

       Fios metálicos                Fios nêurais
      Carne de ferro              Carne macia
        Tecidos de silício          Tecidos de células
Qual é a diferença? Somos todos feitos de carbono

          Tempos modernos
         Talvez não os tenha entedido ainda
         Talvez nunca o vamos

                               Gabamo-nos de nosso porte racional, mas somos nós que temos que mastigar                                       aquilo  que o Leão digere em segundos
Por isso criamos talheres
                               Orgulhamo-nos de nossos maratonistas, quilômetros em minutos. Quilômetros em
                                segundos pelo mais zonzo tubarão Marko
Por isso criamos carros       
                                Orgulhamo-nos de nossa democracia, imPECÁVEL organização social. Formigas a
                                fazem por instinto
Por isso criamos leis
                              HOMMO SAPIENS SAPIENS, o mais sábio dos animais. Sua faca furrou seu irmão,                                                                    seu carro intoxicou sua paixão, sua lei prende-o em um caixão.
                                                                                         Ainda bem
                                                  Imagina um bicho desses correndo solto pela mata!
                                                                                  Que desgraça seria!

"Cão mijando no caos"


 
          Largado ao chão, desliso a mão sob a concurda de um cão. Tão insignificantes são meus ãos, que nem ao mesmo a graça do querer concede-me o cão. Sobe sua pele, uma montanha, células malignas, nada mais. A incompetência de seu dono custará-lhe a vida. E ele com isso? Continua ali, assim, com o rabo varrendo o ar, a língua ardendo por um vento frio, que venha a trépida chuva do mundo, que lhe importa?
                                                                                                      que lhe importa estar vivo?
                                                                                                      que lhe importa Kant?
                                                                                                      que lhe importa algo?
                                                                                                nem eu lhe importo
                                                                             sairá no menor dúbio barulho
procura algo maior?
não,
só um novo entreterimento
a vida passa, os momentos são apenas momentos
fui eu que fiz isso a ele? Privei-o da natureza, tranquei-o ao redor de murros e acorrentei-o com um colar de ferro
em troca de que? De sua fofura? A vida dele, sua existência, não passa de mera fofura?

                                                           Utilitarista
                                            não há diferença entre você
                                            e o "Sapiens" que usou o Boi
                                                   para plantar Trigo

                                           nem o "Sapiens Sapiens" que
                                           acorrentou o Boi para comer


    Como posso culpar um mero cão por se levantar e ir fletar com o nada
    se só o vim ver por falta de opção?
    cerquei-me de amigos
    cerquei-me de queridos
    cerquei-me de eternos
    cerquei-me de dúvidas
    se sou tão querido, por que luto tanto contra a tentação de pedir-lhes ajuda?
    descobri ontem como usar a água da chuva para lavar lágrimas
    será culpa minha? Herança gênica que me impede de largar o orgulho?
    ou será culpa deles? Embriagam-se em felizes personas, podendo assim sonhar um
    tímido riso?

      Não. Assim como não posso culpar o Cão por se afastar, não posso culpa-los de desejarem viver a vida.


      Olhe pra ele. Seu foinho zombeia pelo ar. bam!  Um inseto bêbado acerta a parrede
                                                                                                                               bam!
    
  Som tão infímo para nós,                                bam
 mas tão alucinante para o Cão                      ba-bam
                                                                                                                        bam! Bam

   Ele enlouquece. Ofega. Caça.                     bam bam bam

   Por Deus! Onde está´  esse maldito!     bam bam bam bam

   Fidalgo duma figa! Apareça!                    bam bam bam bam bam bam
                                                                            Splash!
                                                      A patinha levanta, revelando o oculto bichinho.
                                                     Sem maiores comemorações, encara-o, e depois
                                                     parte atrás de um novo apego, deixando-me só
                                                     com sua presa

   Mas pasmem! Tolo é aquele que pouco pensa sobre a casca do inseto. Em um hérculo esforço, ele se levanta. Com a asa quebrada, passa a perâmbular zonzo. Zanza pelo lesta, zombe no oeste, zune para o sul, e no norte encontra um empecilho: Uma murralha gigantesca tampa-lhe o caminho. Mas o que seria isso?! Onde já se viu tamanha aberação! Será que errei o caminho e parei na China?! Ou é apenas uma monstruosa araucária outorgada na região? Pouco importa! Devo focar em minha missão, voltar para a base, provar a todos minha utilidade! Não serei mais apenas um soldado, provarei a todos o meu valor! Terei sucesso, terei fama, eu conheci o mundo fora da toca! Já até posso sentir o gosto do ouro! Não serei só mais um no mundo!

    Tolo. Ante minha mão ele pasma em devaneios. Trata-a como um murro. Nem ao menos sabe de que é feita. E eu sei do que é feito um murro? Cimento? Que é feito duma mistura de argila, cal e areia? Não sei. Me cerco de concreto, zombo, mas nem sei o que me prende. Ante ao conhecido desconhecido, levo a vida como o inseto.


    O Cão volta, quase pisa no bichinho, mas só veio dar o ar da graça. Este sim se assusta. A asa arrancado lhe custa voo, e mesmo com seu exoesqueleto perfurando seus órgãos, ele foge pela vida. Por quê? Visivelmente se encontra em um estágio de dor, por que fugir, por que não apenas aceitar a inevitável morte? Não é ela que lhe poupará da dor?
    Mas ele não julga, apenas corre. Será que é mero instinto?
                                                               Talvez seja por isso que tememos morrer
                                                               mero instinto
                                                               Quem para pra pensar nunca acha uma boa 
                                                                                        [resposta para continuar vivo
                                                                Talvez o ímpeto da vida esteja além da razão
                                                                Talvez toda essa massa cinzenta que custa 
                                                                                        [tanto não seja tão eficaz assim
       "Viver é melhor que sonhar"
        
        Temos realmente tanta escolha assim sobre a vida?
        Freud diz que não
        Sartre diz que sim
                                                                                   o que nos custou essa vã filosofia?
                                                                                            Sem ela talvez fosse lutar tão
                                                                                              desesperadamente pela vida
                                                                                                                  como esse inseto
                                                                                            Sem ela talvez não indagasse
                                                                                                      sobre o que é felicidade
                                                                                                                  como esse inseto
                                                                                            Sem ela talvez não relutasse
                                                                                                  tanto contra uma navalha
                                                                                                                  como esse inseto
                                                                                            Sem ela talvez não precisasse
                                                                                                     escolher todo o dia viver
                                                                                                                 como esse inseto?

     Na batalha entre o incerto e o provavel, me seduz o já´ testado.
     olhe as estrelas, eu não sou nada
     que bom
     dessa forma meus insignificantes ãos valem alguma coisa

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Introdução à ótica niilista do Noir, ou, só mais uma peça barata de um romance pulp


   O esmalte indiferente da lua apenas serve para aquecer meu sangue. Não mais me deixarei ser tomado pelas frentes frias da noite, não mais abanarei o rabo a meus superiores, não mais cairei ante o peso da existência. Não....  Hoje São Paulo ouvirá muito mais do que o simples badalar do ápice noturno, hoje ela espantar-se-á com o reluzir da pólvora.
        Prostitutas, mendigos, corruptos, pedófilos, assasinos, covardes, somente o banho de sangue limpará a imundice dessa cidade. Facínoras, todos!

         O tremer de minhas mãos não pare do medo, mas sim da glória. Em poucos segundos hei de adentrar nesse velho alçapão, aqui jaz os mais decrépitos homens, mafiosos. Porcos vestidos de homens que abusaram da lei seca nova yorquina para expandir seu negócio. E este povo imundo! Mal consegue segurar seus próprios prazeres, onde já se viu o próprio homem por trás da lei manter reservas de Whiskey no quintal! Sujos, esse mundo está sujo.
            Ouço vozes no interior da sala, debatem sobre a nova remessa de bebidas. Uma delas se sobressai. Uma voz doce, embora fria e muito machucada pela vida. Helena, meu grande amor. Como evitar cair em tentação por um corpo tão invejado. Seus lábios eram o desejo de propagandistas de maquiagem, suas pernas o sonho de maratonistas, seus seios milagres da ciência, e seus olhos, seus olhos, retratos vivos da união lilás de duas grandes galáxias, euforia de gritos e beleza. "De olhar suas vergonhas, não tinha vergonha alguma". Mas entre noites de amores, ela teve que cometer o pecado de Caim. Meus olhos são a prova pura que mãos tão delicadas podem martelar duros crânios até o pó. De todos, será ela a única que sentirei saudade.
     Não! Não cairei nessas intrigas mundanas! Não honrarei meus criadores! Sou feito do carbono de lápis, mas não das mesmas mentes que criaram meu gênero! Artistas que viram homens voarem com a grande depressão, fugitivos dos regimes nazistas e facistas. Imigrantes alemães e italianos que encontraram na produção cinematográfica americana o ventre livre da expressão. Escritos em livros e quadrinhos pulps, e depois transcritos ao cinema, o gênero noir ganhava forma. Filho de multos pais, os quais se destacam:     A literatura pulp, nomeada pela polpa barata de papel reciclável que consistia sua páginas. Seu baixo custo reverberou em enredos mais simples, recheados de sensacionalismos animalescos, como a violência gratuita e o apelo sexual, baseando sua trama pincipalmente em plots de mistério.
                        O Expressionismo Alemão, trazido por Fritz Lang e seus companheiros. O contraste de luz, o exuberantes cenários e a criação de atmosferas soturnas foram seus maiores trunfos ao Noir. Impossível falar do gênero sem citar personagens de rosto cortado pela luz, ou de silhuetas em venezianas alá barroco.
                        O Neorealismo Italiano, consagrado pela necessidade de se filmar nas ruas devido o fechamento de estúdios por Mussolini. Toda a sujeira das ruas e a locação "realistica", embora exagerada, advém desse movimento.

                           Claro que não se pode desconsiderar o contexto hitórico de crise econômica, social, política, humana, artística, canina, herbívora, ostepaticídora, nanívora e facínora da época

      Novos nomes entraram no esquema, ideias novas e frescas trouxeram mais luz (?) aquele mundo. O Niilismo frente à sociedade passou a marcar os detetives. Os personagens não mais eram simples justiceiros, mas sim homens cercados de um mundo podre. A corrupção da alma e a descrença no futuro permeavam Nova York. Ganham força finais abertos, intrigantes e com a velha mensagem de que nada importa, somos todos peões desse maquinário cruel chamado destino. A melancólia toma conta.

           Os anos passaram e o estilo começou a definhar, como tudo na vida. Críticos consideravam idiota chamar produções modernas de neo-noir, já que tudo não passa de leves inspirações. Continuaram a se filmar contos de detetives, mas houeram mudanças, não há mais o clássico modelo do passado. O fatalismo deslizou para a ficção científica, questionando o progresso humanano e como ele nos custou apenaz tudo. Ghost in the Shell e Blade Runner são, bruralmente falando, noirs com neon.

 Chega! Chega de divagações! O vermelho vivo do cigarro já traga sua última fagulha, ele está velho, mas eu vivo! Não sou subordinado a nínguem! Para chegar aqui matei irmãos, traí parentes, perdi órgãos, queimei orfanatos, estrupei ovelhas, torturei freiras, comi o pão que o diabo amassou! Minhas memórias todas foram construídas na base do medo, mas hoje abro a ponte pro futuro!
          Separo duas pistolas .25 e me preparo para matar facínoras, o mundo estará bem melhor sem esses vendedores de bebidas! Retruco um sorriso ao luar e respiro preste a adentrar o alçapão. 1, 2, 3 e-
                                                   BAM!
    
    O ar foge de meus pulmões, não pela boca, mas sim por um gruta em meu peito. Vejo meu sangue pingar no chão, pintando o chão e a porta do vermelho fracasso. Já caído no chão vejo um vulto fino sobre mim. Impossível! Fora a própria Helena minha carrasca! Em suas mãos uma shotgun, em seus olhos frieza. Como não percebi antes! Vil traição! "Hoje o sangue imundo banhou a terra" ela diz. Meu último engasgo de sangue é amargo, gosto de fel como toda concretização de um sonho.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Oaristo



    O cinema é uma mulher ingrata. E lhe adoro, e lhe amo, e lhe quero, e faço de tudo, e dela, nada. Repousa-lhe nos braços os mais amantes, de Ozu a Felini, de Kubrick a Coppola. Bobo sou eu de me achar digno de um mero olhar de paixão. Ela é, e sempre forá, a mais democrática das almas. Teus olhos, mais livres que Marieanne, iluminam a todos que lhe querem pela noite. Passa por mãos brutas, delicadas, poéticas e ás vezes, se com sorte, refinadas. Neste bacanal noturno é que repousa minha dor. O amor dela, minha dor. Sua promiscuidade parteira filhos obcenos, filhos mal amados, filhos retrógrados, filhos utilitários, filhos rebeldes por serem comportados. Filhos do horror. 

      Ao segurar no colo um filho tão feio, não há coração resistente a dúvida: valhe a pena?

Valhe a pena ve-la todas as noites andar por bairros claro-escuros, fétidos como buques de plástico?
   Por mais que relute em visita-la quando se encontra nos braços de seu mais rico amante, temo... busco suas luzes.
       Sou fraco, sempre fui. A dor de a ver injustiçada sobre o olhar megalomaníaco do norte, pouco se compara com a dor de perde-la.
        E por que será justamente o amante americano que mais me angústia? Será por ser ele quem nós apresentou? ou será por uma simples richa histórica?
             Enoja-me ver como a trata. Usa seu velho plano americano para mutilar sua mente, corta sua história de forma bruta, censura tudo aquilo de que desgosta, mente, grita o produtor insano: 'como ousa me acusar de machuca-la? Logo eu, o mais naturalista dos homens, a corto por mero gozo estético, nunca permitirei usarem-na pro lucro próprio! Dos 8 aos 80 serão os meus filhos!'
                 Eu, covarde, tampo os ouvidos para não ouvir a orgia do quarto ao lado. Mas pouco importa meu luto, destinado sou em abrir a porta e ver obra de tão pouco esmelo.
                    Toda singela vez que o casal tenta realizar uma proeza revolucinária, ele implica e impõe piadas enfadonhas, explicações em excesso, mensagens positivas. Planeta dos Macacco: Guerra, foi ali que perdi a esperança. Via claramente a luta dela pela beleza, planos sequência, dor da perda, palavras não ditas, olhares ouvidos, mas ele tinha que intervir, tinha que por a peregrinação judaíca, tinha que por a morte cristã.
             Ouroboros é como se chama, e tudo que peço é que pare de atomentar minha amada.
...

        Saio em silêncio da sala escuro, havia a visto ontem, mas minha memória estava ofuscada pelo fala de minha outra amante, a poesia. Não me decepciono com o que vi, "Atômica" sempre me forá um parto estranho de meus dois maiores amores, o cinema, claro, e o quadrinhos, pintado de verde e amarelo dessa vez. Se o excesso de música,  a liquidez colorida das cenas, e o apelo aos fetisches animalescos, me atrapalharam, repondo com apenas uma tragada: A única cena de qual me recordo é filmada em plano sequência, sem neon, sem música, sem sexo, sem nada além a boa coreografia. Mesmo assim, iluminado pelo luar, minha última amante, encaro meu cigarro imaginário e reflito: Será isso amar?

   Será isto tudo o que o amor é? Um eterno conglomerado de dor e angustia. Uma paixão avassaladora, que pode apenas ser compartilhada com a solidão. Será amar o ato de render meus pensamentos a corrente do zelar? Almejar a mais bela vida para aquela que tende apenas a destruir a minha? Ou será o amor um ato ingrato, extremamente utilitarista, no qual uma parte usa a outra para aliviar o eterno desgosto de viver, prendendo-se um ao sonho do outro, concretando assim seus próprios pés, impedindo que voe atrás do sonho próprio e relembre o gosto da decepção?

    Sou jovem, querendo ou não, convivo com jovens. Ouço a palavra de fidelidade dos mais velhos, dez anos mais velhos, a voz deles ecoa enredos de fidelidade, ás vezes de tentação, mas em geral, fidelidade. Mas o som ao redor propaga outras ondas, ondas de um mar sem bases, um dia você ama, no outro você odeia, ou será que sempre odiou enquanto amou, disfarçou tudo como se fosse mais uma dessas mentiras que contamos para não suicidarmo-nos. 'Seja meu Pedro, que permitirei a construção de teu santuário sobre mim enquanto ergo o meu em suas costas. Uma relação de troca e ganho, caso de errado é só achar outra, mas não vai dar, não pode ar, serei motivo de piada se der'.

   Um amante de minha amada uma vez disse: O amor é como os ovos. Ilusões e ilusões. Mas nós precisamos deles para poder seguirmos.


                  Ouvia a tempos um trovador, D.Diniz que já sem dor não há amor. Mas o tempo passou. Já não é mais era de se andonirar pela rua com um violão. Não. Odor tão imprevisível quanto o frescor a paixão não mais nos contenta. Talvez tenhamos desistido de buscar o impossível, o muro caiu, não haverá utopia. Talvez vivemos hoje na era da 'liberdade', na qual o mal estar da civilização pode ser posto em prática onde e quando quiser, de volta a suruba medieval. Depois de tanas decepções amorosas, cansa-se o ser, que retorna a cama em busca de prazeres carnais. Era dos prazeres. 'Ser feliz é possível? O muro caiu. Acharei glória na vida?  O muro caiu. Terei fama e fortuna. Terei terras no céu. Terei donzelas na cama. Terei orazeres translúcidos. Terei tudo que o suor do rosto pode comprar '. A TV me vende prazer, o cinema entrega mensagens estranhas e confusas, que pode ela contra  o grão poder do lazer.

'Ame-me, mas seja rápido! Tenho compromisso ás 6'
   Indago se algum dia poderei algo dar a meu amor. Algo lindo, algo nosso. Nossa relação é conturbada. Vivi tanto por ela que me tornei só e amargurado. O pior é que ela me prometeu me ensinar a como falar com pessoas, mas até agora nada culmina no ponto filosófico que tanto praticamos, nem ao menos sei se o sustentaria, talvez me cansasse. Infestou tanto minha mente com montagens de conversas poéticas, que nada posso fazer com a crua futilidade da realidade. Nada além de me isolar e amar ainda mais.


   Dizem que somos aquilo que amamos, ou ao menos tentamos ser. Será meu fatalismo apenas um beijo dado por ti? Você me recitara as mais lindas imagens, as mais lindas montagens, mas se esquecera de ensinar-me a viver fora desse nosso oaristo.

...

    Amar é uma atitude ingrata. Em nossa primeira decepção já nos afundamos na desesperança. Culpamo-nos um ao outro pela bobagem da realidade, até sentimos inveja da felicidade desperta no sorisso dela ao ver tão velhas paixões, como se nós fossemos novidades, àqueles feixes de luz sólidos como a alma.
    Valhe a pena tanta dor? Tanta luta? 'Tudo vale a pena se a alma não é pequena' diria o poeta
    Para toda 'Atómica' existe seu 'A vida após a vida', quem se prende a dor ou é louco, ou é sadomasoquista
     Realmente acredito nisto? Ou apenas tenho que acreditar?

    Talvez desconheça o amor, mas sei muito bem amar.